Por Everson Spindler, Consultor da Innoscience.
“A maior parte das inovações falha e empresas que não inovam morrem,” destaca Chesbrough, criador do conceito da inovação aberta. Diante desse desafio, como aumentar a assertividade das iniciativas de inovação aberta e garantir a sustentabilidade do negócio no longo prazo? A resposta pode estar em olhar para dentro da própria empresa.
A inovação aberta se tornou um conceito chave nas estratégias de grandes corporações, atuando como um motor para impulsionar a competitividade e o crescimento e ganhando espaço importante na estratégia de inovação como um todo. Essa abordagem não é apenas sobre gerar ideias inovadoras internamente, mas sim sobre estabelecer uma ponte entre a empresa e o ecossistema externo, que inclui startups, universidades, centros de inovação e outros parceiros estratégicos. O objetivo? Criar sinergias que levem à solução de desafios complexos do negócio gerando maior eficiência e otimizando os resultados, desenvolver novas ideias, investir em tecnologias emergentes com potencial de escala futuro e gerar novos modelos de negócio garantindo a sustentabilidade da corporação no longo prazo.
A essência da inovação aberta reside em três pilares fundamentais:
- A habilidade de colaborar com pessoas talentosas, tanto dentro quanto fora da organização, criando um ambiente rico em diversidade de pensamento e experiência.
- O potencial de capitalizar em tecnologias que não foram necessariamente desenvolvidas internamente, abrindo portas para inovações disruptivas que podem ser integradas ao negócio.
- A capacidade de integrar ideias internas e externas de forma harmoniosa, visando alcançar objetivos estratégicos e impulsionar o sucesso da empresa.
Para que a inovação aberta floresça, é crucial que as empresas adotem uma postura de abertura frente ao ecossistema, compartilhando conhecimentos de maneira seletiva e estratégica com parceiros externos. Isso envolve um espectro de colaboração que vai desde a absorção de feedbacks e ideias de clientes até o co-desenvolvimento de produtos ou tecnologias com outras organizações. Essa abertura não apenas amplia os horizontes da empresa, mas também traz benefícios tangíveis, como o acesso a novos mercados, a otimização de recursos e a aceleração do processo de inovação.
No entanto, para que a inovação aberta gere valor real para o negócio, as empresas precisam desenvolver uma capacidade crítica conhecida como capacidade absortiva. Esse conceito, embora pouco difundido, é fundamental na gestão estratégica de inovação. Refere-se à habilidade de uma empresa em identificar o valor de novas informações, conhecimentos ou tecnologias externas, assimilá-las e, mais importante, aplicá-las de maneira eficaz para fins comerciais. Isso implica não apenas na absorção do novo, mas na transformação desses insights em ações que resultem em vantagens competitivas sustentáveis.
A jornada para construir uma capacidade absortiva robusta envolve quatro fases distintas:
- Aquisição: O primeiro passo é a habilidade de identificar e adquirir conhecimento externo relevante, o que exige uma vigilância constante do ambiente externo. Para adquirir conhecimentos relevantes, a corporação participa de eventos do setor e de inovação, colabora com universidades em projetos de pesquisa e monitora de perto as tendências tecnológicas. Durante esse processo, a empresa adquire informações sobre novas tecnologias, metodologias de desenvolvimento e preferências dos consumidores.
O papel dos hubs de inovação corporativa, como a Wayra da Telefônica, é servir de ponte para a integração entre grandes empresas e o ecossistema de inovação. A Wayra, hub de inovação que já investiu em mais de 80 startups no Brasil, ajuda a promover o crescimento de startups tecnológicas ao proporcionar acesso a financiamento, conexões com uma ampla rede global, clientes e parceiros da Telefônica. A interface constante do Hub com o ecossistema facilita a aquisição de novos conhecimentos e o mapeamento de tendências tecnológicas, gerando valor para a corporate.
- Assimilação: Após a aquisição, a empresa deve ser capaz de processar, entender e interpretar o conhecimento adquirido, integrando-o ao seu acervo existente. Não basta o conhecimento ficar retido em algumas poucas pessoas, é preciso analisar e disseminar o conhecimento de como essas tecnologias podem ser aplicadas aos seus projetos existentes envolvendo os stakeholders necessários para garantir a aplicação do conhecimento no processo da empresa.
A ArcelorMittal, líder na produção de aço na América Latina, tem inovado através do Açolab, seu laboratório de inovação aberta, desenvolvendo mais de 120 projetos em colaboração com as áreas de negócio da empresa. O Açolab desempenha um papel crucial na assimilação e disseminação do conhecimento ao trabalhar em parceria com as 12 unidades globais de P&D do grupo, fortalecendo a capacidade de inovação da companhia em nível mundial.
- Transformação: Esta fase envolve a adaptação e refinamento do conhecimento assimilado, desenvolvendo novas competências ou modificando as existentes para alinhar-se às novas informações. É nesse momento em que novos projetos internos nascem e aprimora-se o portfólio de produtos, serviços ou até mesmo o modelo de negócio. Durante esse processo, o conhecimento externo é transformado em inovação interna.
A L’Oréal utiliza a sua robusta estrutura de Pesquisa & inovação para processar, entender e interpretar o conhecimento adquirido, transformando-o de maneira que possa ser aplicado aos seus projetos existentes. Um exemplo notável dessa capacidade é o desenvolvimento do ativo Pro-Xylane®, que reflete o esforço da empresa em assimilar conhecimento para combater a empregá-lo no processo de desenvolvimento de produto.
- Exploração: Por fim, a exploração efetiva desse conhecimento permite à empresa aplicá-lo de maneira inovadora em seus processos, produtos, serviços ou modelos de negócio, gerando resultados tangíveis.
A Natura, que ocupa o 6º lugar das empresas mais inovadoras do país, segundo o Valor Inovação Brasil 2023, com seu foco em sustentabilidade e valorização da biodiversidade brasileira, incorpora conhecimentos tradicionais e científicos sobre a flora local no desenvolvimento de seus produtos cosméticos. A empresa se destaca por integrar esses conhecimentos de forma inovadora, utilizando ingredientes naturais para criar soluções de beleza que respeitam o meio ambiente e promovem o bem-estar. Esse processo envolve uma colaboração estreita com comunidades locais, garantindo uma extração responsável dos recursos naturais e compartilhamento justo dos benefícios.
Em suma, a reflexão sobre a inovação, como destacado por Chesbrough, evidencia o dilema das empresas modernas: inovar é arriscar, mas indispensável para sobreviver e prosperar no mercado competitivo. A chave para minimizar os riscos e maximizar os benefícios reside no investimento em processos, práticas e estruturas organizacionais que facilitam não apenas a aquisição de conhecimento externo, mas também sua assimilação, transformação e exploração. Isso significa que mergulhar no ecossistema de inovação requer mais do que uma abertura para o novo; exige uma estrutura interna preparada para transformar esse novo conhecimento em soluções inovadoras que reduzam custos, gerem novas receitas e, em última análise, fortaleçam a posição competitiva da empresa no mercado.
Everson Spindler é Doutor em Administração, com foco em inovação. Atua na área de inovação há 5 anos. Experiência em gestão de equipes, gestão ágil de projetos, consultoria de estratégia, modelagem de negócios, gestão da inovação e inovação aberta. Conhecimento sólido em técnicas de design thinking, métodos ágeis e ecossistemas de inovação.