Processos burocráticos e demorados não são novidade para quem já teve a oportunidade de trabalhar em um ambiente corporativo, especialmente dentro de grandes empresas multinacionais, que possuem diretrizes globais a serem seguidas para a efetivação de qualquer projeto ou contratação de um serviço.
Ao longo dos meus doze anos de carreira, pelo menos dez foram em ambientes corporativos de grandes empresas. E quando digo que estes processos, muitas vezes, são o inimigo da inovação, é porque senti isso na pele. Para ajudar a elucidar meu argumento, vou contar uma breve história, dentre muitas já vividas, sobre como estes processos dificultam na hora de inovar.
Há alguns anos, a área na qual eu trabalhava tinha o desafio de melhorar a dinâmica de uma determinada atividade com sua automatização por meio de um sistema. Deveria ser algo não muito complexo, que pudesse integrar as diversas etapas dos projetos e áreas envolvidas, do briefing à aprovação final. Além de armazenar os projetos em uma ferramenta única, serviria ainda para a geração de relatórios mais confiáveis para diretoria e presidência.
Na época, todo este fluxo era feito por e-mail, o que dificultava a consolidação das informações quando necessária, além da potencial perda de dados importantes na eventualidade de alguém sair da companhia.
Com este problema definido, fui incumbida de conversar com a equipe de Tecnologia da Informação e achar uma solução viável dentro do orçamento disponível. Tive uma primeira conversa com a pessoa que nos atendia em TI para explicar o processo e o problema. Depois de entendidos, fui informada que eu deveria criar um memorial descritivo com a solicitação detalhada e o fluxo do processo do sistema. Lembro que este primeiro bate-papo ocorreu em março daquele ano.
Montei o documento solicitado e encaminhei à pessoa de TI. Ela me orientou a esperar cerca de 15 dias úteis para que seus fornecedores fossem consultados e a melhor tecnologia que se aplicaria a minha necessidade fosse escolhida, para, então, me retornar com alternativas de solução. Cerca de um mês depois, tive uma devolutiva de TI, com as opções de fornecedores, valores e um cronograma que me fez acreditar que eu teria aquele sistema rodando em 3 meses. Seria incrível!
A opção que mais gostamos era de um fornecedor que já prestava serviços para TI, mas por alguma razão o contrato não contemplava o escopo do sistema específico que pedimos, portanto, seria necessário um adendo. Acionamos a área de Suprimentos, abrimos a requisição no sistema, passamos a descrição e o tipo de serviço que seria prestado e o que precisaria ser incluído no contrato. Nos passaram um prazo de 33 dias para a conclusão desta etapa. Com os atrasos que ocorreram, o prazo se tornou de 60 dias e, três meses após a primeira reunião com TI, eu consegui fazer o kickoff do processo.
Fizemos uma reunião inicial em que a empresa na qual eu trabalhava designou um PMO que seria meu apoio e, junto a TI, faríamos as validações necessárias ao longo do processo. O cronograma proposto era de aproximadamente 3 meses. Destes, 2 eram para a construção do sistema. O último serviria para acertarmos os detalhes do fluxo, testar e fazer o go live.
Obviamente isso não aconteceu.
Faltando dez dias para a entrega da primeira etapa do processo, o PMO me informou que houve um problema nos servidores que cobriam os ambientes de teste da companhia e o trabalho que o fornecedor havia feito até aquele momento tinha sido perdido. Eu obviamente escalei o assunto ao meu diretor e ao líder de TI, afinal o projeto estava rodando havia quase 5 meses e não tínhamos nada ainda.
Depois de outros 40 dias, o tal ambiente de teste foi recuperado e a primeira parte do processo do sistema, finalizada. Eu estava mais aliviada, mas durou pouco… Fui informada de que o PMO que estava cuidando do processo já havia esgotado as horas pelas quais ele havia sido contratado e não havia mais orçamento para contratar outro. A partir daquele ponto, eu faria os alinhamentos diretamente com a equipe de programação do fornecedor.
Nesse estágio, o processo se tornou uma calamidade. Eu não entendia de programação e o fornecedor não entendia o que eu falava. TI passou a se envolver cada vez menos nas reuniões com a entrada de novos projetos e demandas. Entre idas e vindas, o projeto levou mais 6 meses para ficar redondo. Pouco mais de um ano após a solicitação inicial, consegui fazer os primeiros testes e solicitar alguns ajustes. Mas não foi possível ver a minha solução nascer. Saí da empresa antes que ela pudesse ser implementada de fato.
Este exemplo pessoal é apenas uma ideia de como os processos ocorrem dentro de grandes organizações. Neste caso, estou falando de um fornecedor que já era da casa e um fluxo tradicional já implementado! Imagine se fosse com uma startup em um projeto com processos totalmente novos…
O modelo de inovação aberta, em que empresas estabelecidas desenvolvem soluções junto a startups, está se tornando uma alternativa cada vez mais popular no mercado. Além de trazer o que há de mais atual em termos de soluções para dentro da empresa, ele reforça os pilares de inovação e competitividade presentes na estratégia da maioria das companhias brasileiras.
No entanto, para que o processo de inovação aberta seja implementado e concluído com sucesso, as empresas precisam enfrentar desafios internos, como seus processos cada vez mais detalhados, longos e burocráticos, como esse acima.
O envolvimento das áreas de apoio é fundamental para que o projeto desenvolvido junto à startup aconteça de maneira tranquila. Tendo apoiado empresas nas áreas de logística, farmacêutica e alimentos a se relacionar com startups, consolidei um conjunto de 3 aprendizados para que você fuja da burocracia na hora de inovar.
- ENGAJE A EQUIPE DE TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO
O envolvimento da equipe de TI da empresa é essencial para o sucesso do seu projeto. É necessário que a área de Tecnologia entenda a solução da startup e como ela se aplica tecnologicamente dentro da organização. Da mesma forma, é importante que a startup tenha uma visão da arquitetura dos sistemas da empresa, bem como quais plataformas, APIs e processos de otimização são utilizados – imagine você descobrir que a solução da startup não integra com o sistema da sua empresa somente após ficar pronta! Saber identificar a pessoa certa de TI, que conhece a estrutura e as limitações da empresa, também é primordial para o sucesso do projeto.
Em um programa que fizemos com uma grande empresa do ramo alimentício, passamos por uma situação bastante complicada. O cliente trouxe uma pessoa de TI que ouviu sobre as soluções das startups e falou um pouco da estrutura interna da empresa, mas sem grandes contribuições. Quando achávamos que tudo estava certo e começamos a rodar o piloto, fomos informados que a solução precisava ser construída dentro do ambiente cloud da empresa, o que requereria adequações do sistema e um processo de homologação de 30 dias.
Este é o tipo de problema que deveria ter sido detectado na reunião feita antes do piloto, em que as startups detalharam suas soluções. O que aconteceu foi que levaram a pessoa errada de TI, alguém que não tinha conhecimento claro e suficiente sobre as políticas internas para fazer os questionamentos certos e levantar os pontos de atenção. Acabamos envolvendo a pessoa correta depois, adaptamos a solução e, hoje, ela está rodando como deveria. Mas se a adaptação não fosse possível de alguma forma, o projeto teria acabado ali mesmo, antes mesmo de começar.
- ALINHE O PROJETO COM O JURÍDICO
A parte jurídica é sempre uma dor de cabeça quando falamos em contratação de novos fornecedores. Ao longo dos anos, os contratos foram ficando cada vez maiores, mais rígidos e menos flexíveis, assim como os contratantes. Trazer o jurídico ou time de legal para a mesa de discussão é necessário para que a contratação da startup ocorra sem maiores problemas.
Antes de sequer abrir as inscrições para os programas de conexão, nós fazemos uma reunião com o jurídico para entender como funciona o processo de contratação de um prestador de serviços. Em um programa recente, fizemos a reunião com a Gerente do Jurídico, explicamos o programa, os desafios que já havíamos enfrentado ao longo da nossa jornada e mostramos para ela a minuta padrão que recomendávamos às startups. Ela revisou a minuta, fez suas contribuições e validamos a melhor opção.
Quando as startups foram escolhidas, o processo de assinatura de contrato não demorou mais do que uma semana, já que estava tudo pronto! O segredo aqui é criar um vínculo com as áreas de apoio e torná-las parte do time. Elas são tão importantes para o processo quanto a startup em si, afinal, sem contrato não há contratação.
- CONECTE O TIME DE COMPRAS
Dezenas de certidões, comprovantes e balanços dos últimos 3 anos são apenas alguns exemplos dos documentos solicitados para cadastro de novos fornecedores em empresas de médio e grande portes. Já vi, várias vezes nas empresas em que trabalhei, as pessoas deixarem de contratar um novo fornecedor, muitas vezes mais promissor, e utilizar aquele de sempre, já cadastrado, uma vez que o prazo de execução do projeto em questão é menor que o prazo de cadastro de um novo fornecedor.
Assim como fizemos no jurídico, conversar com o responsável de compras é essencial para ele entender a natureza do projeto. Num caso recente, explicamos o projeto, informamos que o valor do piloto já é o mínimo viável para realizar um teste de conceito e que o mesmo não deve ser negociado no modelo convencional, afinal, não estamos em processo de concorrência tradicional. Na sequência, entendemos qual a documentação mínima necessária para que a startup possa ser cadastrada e paga pela empresa. Sempre lembramos de citar que já alinhamos com o jurídico e que os times de apoio estão a bordo da iniciativa.
Foi desta forma que em uma empresa logística com que fizemos o programa há algum tempo, as startups já estavam todas cadastradas no dia do kick off do projeto piloto; sem dor de cabeça, sem correria para alinhamentos posteriores. Além disso, em cada etapa do processo do programa, buscamos reconhecer os times que apoiaram no processo para que o programa pudesse acontecer.
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Quando olho para o projeto de TI que contei no começo deste artigo, entendo que, com os aprendizados que colhi ao longo da minha jornada, eu teria conduzido de maneira diferente e buscado conversar e integrar as áreas envolvidas desde o início para identificar onde poderiam ser os possíveis gargalos. Talvez o projeto não tivesse saído em três meses como eu queria, mas com certeza não teria se arrastado para mais de um ano. Faltou integração.
Em boa parte das vezes, subestimamos o papel das áreas de apoio e a sua essencialidade no processo de inovação aberta. As empresas possuem departamentos com metas e objetivos específicos, que muitas vezes divergem da necessidade de um indivíduo com um determinado projeto. Por isso que, para todo projeto, nós chamamos as áreas de apoio para conversar antes de começar, ainda na fase de estratégia, e entender a relevância da área para que o mesmo aconteça.
Desta forma, eles se sentem como parte do time, além de ficarem inteirados e com a visão do projeto como um todo. Buscamos pactuar com eles o plano de trabalho, deixar claro os prazos e o que precisamos. Sempre reconhecemos as áreas que nos apoiaram quando apresentamos os resultados dos projetos, afinal, sem eles, o projeto não ocorreria.
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Claudia Fontana, Consultora Sênior Innoscience