por Dagoberto Trento
Se preocupar com o que poderá ser e não apenas com o que é, pode ser um bom caminho para inovar.
Quando iniciei minha graduação no já distante ano 2000, uma das minhas primeiras cadeiras foi TGA – Teoria Geral da Administração. Com um olhar ao passado, analisando o surgimento do conceito organizado de gestão corporativa e um olhar ao futuro, buscando entender como as organizações evoluiriam, o tema “globalização” era muito presente.
De lá pra cá, a globalização amadureceu e nos últimos 20 anos a tecnologia emergiu para facilitar a abertura econômica, social, cultural e política que hoje nos conecta em grande escala. Nunca fomos tão sistêmicos.
Segundo Moisés Naim no livro “O Fim do Poder”, esse mundo globalizado e contemporâneo traz três grandes transformações: a transformação do mais, da mobilidade e da mentalidade. Juntas elas geram uma mudança veloz e estabelecem novas prioridades sociais e corporativas. Vejamos alguns fatores influenciadores: i) aumento da expectativa de vida (mais); ii) como alimentar 10 bilhões de cidadãos em 2050? (mais) iii) empresas mais atentas aos critérios ESG (mentalidade); iv) diversidade e inclusão tomam pauta de governos, empresas e sociedade (mentalidade); v) 5G avança para eliminar qualquer barreira de mobilidade ainda existente (mobilidade).
1. E o que isso tem a ver?
Tudo! Precisamos de novas alternativas para resolver os novos problemas e atender as novas necessidades da sociedade.
Houve uma época em que negócios comuns e isolados eram suficientes. Não mais! Na direção que estamos, a complexidade é a nova ordem. Estar conectado é o caminho. E entender isso é fundamental para se posicionar, ou reposicionar, estrategicamente. E para inovar, também.
Em um mundo conectado onde tudo é muito similar, resolutivo em poucos clics e a performance beira à perfeição, a alternativa para a inovação são às necessidades humanas e sociais e não apenas o aperfeiçoamento dos produtos e serviços em si. No livro “Do Zero ao Um”, o autor Pether Tiel faz duras críticas às organizações e universidades justificando que nos últimos 60 anos elas estão muito mais voltadas a melhorar o que já existe do que criar novas alternativas.
Estima-se que temos no mundo atualmente quatro gerações de consumidores e muito em breve teremos uma quinta. Cada uma com seus valores, suas crenças e suas preferências de consumo. Ou seja: um mundo de oportunidades para inovar criando soluções do zero!!!
Basta pensarmos que ainda temos dificuldades de criarmos soluções inovadoras e escaláveis para questões básicas da nossa sociedade, como é o caso do saneamento, onde só no Brasil metade da população não tem água ou esgoto tratado, potencializando doenças e encurtando o tempo de vida das pessoas. Imaginem o impacto social e econômico se conseguirmos inovar para criar novas alternativas para esse cenário. É um desencadeamento de oportunidades em diversos outros setores.
Precisamos de novas alternativas para resolver os novos problemas e atender as novas necessidades da sociedade.
Empresas que já se deram conta da oportunidade que o novo contexto oferece, se abrem para inovar e ampliam parcerias dentro e fora do setor em que atuam (inclusive com seus concorrentes). Criam seus próprios ecossistemas e buscam manterem-se próximas aos clientes. Inovam para potencializar o uso de dados e gerar insights que aperfeiçoam o seu entendimento sobre as reais necessidades dos clientes e assim criar produtos e serviços ou formatar ofertas personalizadas. Inovam para estarem presentes na jornada do cliente, mesmo que isso signifique renunciar à exclusividade, se fazendo presente em canais de atendimentos de terceiros, físico ou digital. Inovam não para buscar a fidelidade do cliente, mas sua “principalidade”.
2. Aceleração da inovação e abundância de investimentos
Esse modelo open tem feito emergir dentro das empresas estabelecidas os famosos CVCs – Corporate Venture Capital, que praticamente tem possibilitado grandes empresas tornarem-se “fundos de investimento”. Atuando com estratégias distintas no modelo “buy, buid, partner”, elas fazem aquisições, obtém participações ou desenvolvem parcerias com startups para criar soluções inovadoras.
Dentre várias vantagens, estão acelerar a capacidade de renovar o core atual e ampliar a capacidade de atender às necessidades dos clientes com mais inovação. Em outro estágio, o CVC também é usado como instrumento de diversificação do portfólio, com investimentos em negócios fora do core business da empresa, de maneira a explorar novos mercados.
Em 2021, segundo o relatório State of CVC da plataforma norte-americana de inteligência de mercado CB Insights, os investimentos globais em CVC cresceram 142%, atingindo a marca recorde de US$ 169 bilhões em investimentos. Isso é praticamente o dobro do PIB do Uruguai e do Paraguai somados.
Dinheiro não tem sido um limitador à inovação. Uma porque aliar tecnologia, necessidade e viabilidade nunca foi tão fácil e barato. Outra porque, como vimos acima, as empresas estão dispostas a abrirem o cofre para arriscar mais.
3. O caminho da inovação é a humanização
Por mais confuso que isso pareça ser, num mundo de Metaverso e tecnologias emergentes, o ser humano é o centro dessa tempestade de inovações sedenta por digitalização e desintermediação. Aquilo que não pode ser digitalizado está se tornando extremamente valioso, mesmo que muitas empresas ainda não percebam isso.
“O futuro está na tecnologia, mas o maior futuro está em transcendê-la”.
Gerd Lehonard no livro “Technology vs Humanity”
O avanço tecnológico que presenciamos representa o “como” da evolução. O ser humano representa o “porquê”. Precisamos adotar a tecnologia, mas não nos tornarmos a tecnologia (pelo menos por enquanto). As características especificamente humanas, como a imaginação, emoção e a criatividade, aliadas à tecnologia e o uso abundante de dados, trazem a oportunidade de se gerar uma inteligência ampliada, capaz de promover inovações que atendam desejos e necessidades humanas em abundância. O mundo nunca foi tão resolutivo.
Na era do mais, da mobilidade e da mentalidade, fluir para buscar novas alternativas para a humanidade e para o ser humano é onde o valor real e duradouro de qualquer inovação é criado. É também, ou deveria ser, a razão de existência de qualquer empresa. Buscar esse caminho é atender aos mais altos padrões de sustentabilidade e estará sempre alinhado “ao que poderá ser”.