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Novos Jobs to Be Done Emergem na Pandemia

Ninguém gosta de ficar horas no telefone com o call center de uma operadora de telefonia. Depois de alguns minutos com um atendente 0800 tentando resolver o meu problema, lembrei que tempos de mudança são momentos que abrem novas oportunidades para aqueles que tem a sensibilidade de perceber novas necessidades e a capacidade de transformá-las em novas ofertas.

Sei que isso pode parecer chover no molhado.

“Crise é sinônimo de oportunidade”. Clichê de consultor. Então pensei em compartilhar uma situação/problema pessoal que vivenciei dias atrás como consumidor para ilustrar como períodos de ruptura escancaram janelas de oportunidade que nem sempre as empresas estão organizadas para aproveitar.

O professor Clayton Christensen denominou essas situações/problemas de job to be done: um problema que emerge na vida de um consumidor para o qual ele “contrata” empresas para resolver. A pandemia do COVID-19 fez emergir, na minha vida, um conjunto de novos jobs to be done, como deve ter feito na sua também.

Segundo Christensen, os jobs to be done são estáveis; o que muda são as formas de resolver os problemas. Porém, no contexto atual, acredito que o professor concordaria que não apenas as soluções se alteram, mas as nuances, dores e ganhos esperados ao viver o job, assim como o próprio job também.

Depois de dois meses num apartamento em São Paulo, com duas filhas pequenas em completo isolamento, decidimos passar algumas semanas no Sul do país, onde a situação da pandemia está, aparentemente, menos intensa. Considerando que teria que trabalhar diariamente de forma remota e que uma das minhas filhas está frequentando a escola a distância, seria natural pensar que precisaríamos de uma conexão internet de banda larga.

 

O job to be done original

Sou cliente Net em São Paulo. Claro. Já não sei mais navegar nessa miríade de marcas que o grupo controlador dessas empresas tem no Brasil. Mas enfim, sou cliente Net-Claro. Já fui Vivo por algum tempo. Obviamente, ao viver o job to be done, optei por acionar meu fornecedor atual, aquele que contrato para resolver o meu job de “quando estou em casa, quero uma conexão de internet de alta velocidade, estável e a um bom preço, assim podemos trabalhar e ter entretenimento disponível em família”.

Cliquei nas 3 opções do menu da URA. Cheguei no meu atendente. Pedi a instalação de um serviço em um novo endereço: neste caso, em Porto Alegre.

Rapidamente, ele me deu os preços e as condições. Um ponto me chamou atenção:  ele me informou o preço do plano Fidelidade. Não entendi… Expliquei que já era cliente Net fiel – mesmo que às vezes os traísse em pensamento. Continuamente, ele me deixou incrédulo! Agora ao ressaltar que isso significava que eu teria que ficar “preso” por 12 meses ao contrato.

Abruptamente, respondi que eu ficaria por espontânea vontade, mas no meu outro endereço em São Paulo. Salientei que, nesse caso, eu precisaria de internet por apenas 1 mês. O atendente me comunicou em definitivo que essa condição não existe. Nem barata, nem cara. Ameacei romper a relação e me engraçar para a Vivo. Não houve jeito. É para sempre ou não é.

Imediatamente, liguei para a Vivo. Além de ter sido cliente durante bastante tempo, havia moderado um debate com a Diretora do Digital Lab da Vivo meses atrás e ficado positivamente impressionado com o trabalho realizado.

Liguei no número disponível na internet. Expliquei minha situação. Disse que eu era um potencial adúltero e que estava free para um novo relacionamento. Imediatamente, ela me respondeu que, infelizmente, só me aceitaria se fosse com completa fidelidade; ou seja, 12 meses garantidos ou multa por separação prévia. Não acreditei.

 

Um novo job to be done

Fiquei pensando se ambas as empresas não estavam vendo essa nova oportunidade. Por desencargo de consciência, dei meu novo CEP para identificar disponibilidade de infraestrutura no local. A atendente me respondeu de forma direta: armário lotado. Mas como, se eu nem sequer havia chegado em casa com minhas bagagens? Sim, eu deveria saber que armário lotado era sinônimo de indisponibilidade de espaço no quadro de conexão local do prédio para plugar a minha conexão.

Todos nós já tivemos experiências negativas com prestadores de serviço, especialmente com as companhias telefônicas. Sei que a operação do call center padrão não tem autonomia. E que o plano fidelidade é uma forma de pagar a conta do custo up-front da instalação. O meu objetivo com esse relato não é expor as empresas, mas mostrar que muitas oportunidades de inovação não envolvem disrupções nem demandam tecnologias exponenciais. Pelo contrário, exigem processos e práticas de gestão organizadas para capturar insights emergentes e transformar em projetos a serem testados.

Esse tipo de situação que eu vivi com as duas operadoras é ouro puro em termos de inovação. É um consumidor compartilhando um novo job to be done: quando vou passar um tempo numa outra localidade, preciso ter internet para conseguir trabalhar e entreter minha família, assim posso seguir minha vida normalmente. Ou seja, uma nova situação problema que oferece oportunidade para uma nova oferta.

Esse job to be done não é exclusivo do COVID-19. Envolve uma série de situações em que pessoas e famílias precisam, em função de trabalho, saúde e eventos inesperados, ter disponibilidade de internet para manter a rotina. E nada melhor do que ser um parceiro numa hora difícil.

Essa situação é escalável? Rentável? Exequível? Não sei. Esse é o trabalho dos executivos de inovação e das áreas de negócios das operadoras. No mínimo, seria recomendável ter um produto disponível para quem já é cliente ou avaliar alternativas disruptivas, como a autorização para a cessão de uso por tempo determinado de um usuário vizinho. Momentos de ruptura como o atual trazem novas situações que permitem novos modelos de negócio.

Os apartamentos e carros foram compartilhados. Por que não a conexão com a internet? O contrato não permite? Não seria o primeiro contrato ou regulamentação que se alteraria.  Acabei realizando o que Christensen enfatizava que o consumidor faz ao viver um job to be done: pensar nas diversas alternativas disponíveis. Como usar a conexão do celular; habilitar um novo chip no ipad da minha filha; pedir a conexão do meu vizinho emprestada.

Os insights e oportunidades para novas soluções não estão nas sessões de ideação, mas no contato empático e atento com o consumidor. Cabe às empresas que querem inovar ter mecanismos de captura, priorização e seleção de projetos inovadores estruturados. Tenho dúvidas de que as minhas considerações feitas ao call center tenham se transformado em dados e sido entregues à área de inovação de maneira organizada. Preferi fazer isso diretamente e compartilhar com o time de inovação da Vivo, mesmo tendo vivido essa experiência negativa.

O consumidor que vive um novo job to be done não é fiel por obrigação, mas poderá ser leal por opção caso entenda que existe uma alternativa eficaz de resolver sua situação/problema. Até lá, terei que me virar com as limitações dos atendimentos no 0800.

 

 

Maximiliano Carlomagno, sócio-fundador da Innoscience

 

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