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Dominando o ciclo da obsolescência de seu negócio

Enquanto fazia minha graduação em administração, na disciplina de marketing, conheci o conceito do ciclo de vida do produto. Mais tarde, durante o mestrado, na cadeira de inovação li sobre a curva S de tecnologia. O primeira descreve o comportamento de novos produtos ao longo do tempo e a segunda o comportamento de substituição de tecnologias. Os produtos tem uma fase de crescimento, maturação e declínio. As tecnologias também tem seu processo de desenvolvimento e estabilização quando tendem a ser substituídas por novas tecnologias.

O que ocorre com os produtos e tecnologias também se desenvolve com as estratégias e os negócios. A estratégia de venda direta de micro computadores da DELL foi uma inovação que gerou vantagem competitiva mas acabou suplantada. O negócio da VARIG baseado em serviço, atendimento e preço premium também. As redes de locação e venda de CD’s e DVD’s passaram por processo semelhante e foram substituídas por empresas com estratégias mais eficazes dado o novo cenário.

O tempo passa. As condições mudam. Algumas empresas se antecipam. Outras reagem. Há aquelas que deixam de ser relevantes. Ou ainda as que somem do mapa. Não há vantagem competitiva sustentável.

O ciclo de obsolescência

Lembra dos pagers? Sumiram. E os tamagochis que faziam sucesso com a criançada? Foram desligados. Surgiram como uma febre, disseminaram-se, perderam força e desgastaram-se.

Imagino que você se recorde dos vídeo cassetes. Foram substituídos pelo DVD. Durante anos, os jovens usaram o Messenger (MSN) para conversar com os amigos. Sabe o que aconteceu com ele? Não existe mais. O BBM – serviço de mensagem do blackberry, o facebook e o whats app o liquidaram. A estratégias e modelos de negócio apresentam uma fase de descoberta, seguida por uma fase de ganho de aderência quando a coisa “encaixa”.

A partir dai, algumas dessas estratégias e modelos de negócio ganham velocidade e abrangência gerando vantagem competitiva e retornos superiores a seus detentores. Quando o cenário muda, por diferentes fatores, a estratégia começa a se desgastar e perder distintividade, ocasionando a perda de vantagem e resultados anormais.

Para ilustrar esse caso, nos últimos anos, uma empresa de Taiwan chamada ASUS cresceu no setor de micro computadores ao criar, em 2008, a categoria dos Netbooks como uma ótima alternativa de menor tamanho, peso e capacidade de processamento com preço acessível. A solução para uso de internet. Decolou! Grandes empresas como a ACER responderam com seus próprios netbooks. Eu comprei um em uma viagem três anos atrás. Colocaram a ASUS num jogo que ela nunca jogou.

Infelizmente os netbooks estão sendo descontinuados. Foram suplantados pelos tablets. Pressionados pelos ultrabooks. Em recente viagem procurei um netbook em uma loja da Best Buy e o vendedor me olhou como se eu buscasse um barco à vapor.

Feliz ou infelizmente os negócios tem um ciclo de obsolescência. As estratégias e modelos de negócio perdem tração. As vantagens competitivas desmoronam.

Estratégia e Modelos de Negócios

A mesma coisa que ocorre com os produtos e tecnologias acontece com a estratégia e modelos de negócios das empresas. A empresa encaixa uma estratégia vencedora. Consegue expandir receitas e margens de lucro. Angaria atenção dos competidores que a copiam ou contra-atacam. Perde vantagem. E precisa se renovar.

Para compreender esse fenômeno, adotemos o conceito de estratégia e modelo de negócio como a lógica que a empresa escolhe para criar, entregar e capturar valor. As grandes escolhas em relação a:

  1. Quem é o meu cliente alvo?
  2. O que eu oferto?
  3. Como nos organizamos para entregar isso com viabilidade econômica?

Ao longo do tempo essas escolhas que se mostraram exitosas perdem aderência. São copiadas. Outras escolhas são mais relevantes para o cliente e mais eficiências economicamente. Noutras situações parte de suas escolhas ficam saturadas ou ainda evisceram.

Fonte: Adaptado de Hamel

Os antecedentes da Obsolescência

Esse processo de obsolescência ocorre em função das mudanças cada vez mais intensas e frequentes no ambiente de negócios, sejam elas oriundas dos consumidores que mudam suas preferências de consumo. Há situações onde os governos interveem nos mercados como as recentes pressões nos spreads bancários, na conta de luz ou mesmo com a lei dos genéricos que mudou a indústria farmacêutica executando novas regulamentações.

As mudanças também são tecnológicas como no caso dos CD’s, DVD’s e locação de vídeo por streaming. Rupturas sociais e ecológicas são outra fonte de transformações no ambiente de negócios como a preocupação com sustentabilidade que alavancou o plástico verde da BRASKEM.

E ainda há circunstâncias onde tudo parece bem, o cenário geral se apresenta positivo e surgem empresas inovadoras como a APPLE no segmento de música, vídeo, telefonia e entretenimento que atacam líderes estabelecidos de diferentes setores como Nokia, Dell, HP e Sony. A venda de livros, então dominada pelas megastores como Cultura, FNAC e Saraiva que substituíram as antigas livrarias também foram afetadas. Algumas tentaram responder com suas operações digitais mas ainda estão longe da AMAZON o novo modelo de negócio.

As transformações e rupturas apresentadas turbinam o ciclo de obsolescência. Esse processo gera um impacto direto nas posições de liderança dos setores afetados.

A liderança suíça na fabricação de relógios migrou para os japoneses com o advento do relógio digital. A Barnes & Noble perdeu a liderança no setor de varejo de livros para a Amazon. As companhias de baixo custo e baixa tarifa reequilibraram a liderança no setor de aviação comercial. A Chili Beans cresceu no setor de óticas e depois de acessórios desbancando competidores tradicionais. A Nespresso assumiu a liderança no negócio de café premium então concentrado nas lojas de rua.

Os líderes tem enorme dificuldade de responder e inovar frente a um ambiente de amplas e profundas mudanças. É o espaço para os desafiantes. As evidências científicas indicam que cresce significativamente a chance de vitória dos desafiantes quando eles inovam no ataque aos líderes. A XP Investimentos maior corretora independente de ações do Brasil inovou o negócio de investimentos em ações. Aproveitou um mercado conservador para criar novas formas de venda, descobrir novos clientes e chegar de forma mais eficiente nesse mercado.

Recentemente vendeu 30% por R$ 400 milhões de reais para um fundo de investimentos. Pretende ser o seu supermercado financeiro. Vai competir com os grandes bancos. O jogo vai ficar mais complicado não há dúvida. Mas sem inovar ele fica inviável.

Por sua vez, o desafio das empresas líderes é administrar essa situação. Por incrível que pareça há um paradoxo nesse processo. Quando a empresa percebe que precisa se reinventar é quando ela já apresenta uma estratégia decadente e resultados fracos. É quando já não resta tempo nem recursos.

Por outro lado, quando as coisas vão bem e existe tempo e recursos disponíveis, não liderança e suposto racional para fazê-lo. Vigora a crença de que as coisas não vão mudar. Que em time que está ganhando…..mais uma dessas analogias do cotidiano que não oferecem nenhuma orientação de negócios relevante que não seja cegar o gestor.

Para efetivamente performar nesse contexto turbulento, complexo e imprevisível, as empresas líderes devem abordar o tema de forma ativa, estruturada e ambidestra. Mas em que isso consiste?

Administrar de forma eficiente e integrada dois sistemas de gestão distintos mas interconectados: um que minimiza erros, predomina a eficiência, previsibilidade e controle e um que encoraja a experimentação, criatividade e descoberta.

1) Operar o modelo de negócio existente sem perder os olhos no amanhã

A base para a empresa legitimar a busca de novas oportunidades é administrar na plenitude seu modelo de negócios vigente. Um negócio mal operado e ineficiente morre por falta de resultados, independente de transformações e novas oportunidades.

O desafio primordial do gestor é conseguir mobilizar recursos internos para que sua empresa desenvolva suas atividades de forma rentável dentro da estratégia estabelecida. Comprar bem. Vender com margem. Ter retaguarda eficiente e enxuta. Atender e fidelizar clientes. Enfim, fazer o “feijão com arroz” bem feito.

Apoiando clientes em projetos de estratégia e inovação percebemos que esse tema não é fácil, exige alinhamento, coordenação e liderança. Também aprendemos que sair a procura de novas oportunidades de inovação quando o negócio ainda tem fragilidades operacionais e existe espaço de crescimento no modelo de negócio original pode apresentar riscos que precisam ser adequadamente administrados.

A síndrome de Alexandre, o Grande, da Macedonia que teria desequilibrado sua atenção para conquistar novas terras (novos negócios) em detrimento de fortalecer as terras já conquistadas (negócio existente) também ocorre nas empresas.

O difícil é fazer isso tudo e ainda arrumar tempo e recursos para pensar no amanhã, afinal de contas, o modelo de negócio vitorioso em algum momento irá ficar obsoleto.

2) Explorar novas oportunidades de forma ativa e estruturada

As máquinas fotográficas digitais suplantaram as analógicas. A Polaroid ficou pelo caminho. Ainda não conseguiu reconceber seu modelo de negócio. A tecnologia e o uso do equipamento mudaram radicalmente. O advento do smartphone está gerando uma transformação silenciosa mas profunda nesse negócio outra vez. Nesse caso, não adianta ter o modelo de negócio vigente bem operado. A empresa pode perder o jogo sendo “bem administrada”, ouvindo seus clientes, priorizando negócios de alta margem e favorecendo os canais existentes.

A busca de novas oportunidades precisa ser feito de forma estruturada e não episódica e reativa. As oportunidades não se restringem a novos produtos. Podem envolver novos canais de distribuição, novos mercados e novos modelos de negócio.

Não há como saber antecipadamente quais oportunidades terão o potencial de redefinir o setor. A empresa precisa nutrir um conjunto de experimentos estratégicos. Como se fossem sementes a serem adubadas.

Um exemplo interessante e atual é o da DELL Computers. Durante anos a empresa foi saudada como inovadora. Criou um modelo de venda direta baseado numa operação sem estoque puxada por um processo de customização em massa para seus clientes. Transformou a forma e o local onde se compravam computadores. Chegou a valer mais de U$ 100 bi em bolsa. Dias atrás, optou por fechar o capital numa operação capitaneada por Michael Dell seu fundador e principal acionista. Atualmente não vale U$ 30 bi. Não conseguiu compreender a migração do valor do mercado empresarial para o mercado de consumo. Não ampliou o mix de produto rumo aos smartphones e tablets. Não revisou seu canal de vendas. Não reposicionou seus negócios.

Empresas não deixam de se transformar apenas por opção. Para compreender quais são os experimentos a serem realizados a empresa depende de um eficiente monitoramento do ambiente externo incluindo aspectos econômicos, tecnológicos, sociais e de comportamento do consumidor. De forma geral a empresa pode reagir e se adaptar a tais situações. Há empresas que não conseguiram se adaptar aos novos tempos. Mas há também a oportunidade de virar o jogo. De buscar antecipadamente tais oportunidades.

O antídoto da irrelevância é a organização ambidestra

A inovação é o antidoto fundamental desse processo. Ela pode servir para otimizar o negócio existente quando são abordadas inovações de processo e produto que priorizam o refinamento do modelo de negócio atual. Mas, naturalmente, tem que contribuir para a geração do negócio do futuro. Uma empresa brasileira tem conseguido gerenciar esse processo de forma exitosa até o momento.

O Grupo Boticário é a maior franquia de cosméticos do mundo. Tem um portifólio de marcas fortes. Investe em inovação do negócio existente. Produtos como a linha Malbec baseado no vinho destinadas ao segmento masculino é um destes exemplos. Criou um canal de distribuição até então inexistente no segmento de cosméticos no Brasil. Cresceu e domina cada vez mais cidades brasileiras. Originou-se como alternativa de presente, liderando a categoria e ampliou seu mix de forma eficiente. Criou sub marcas como a Make B.

Mesmo com um negócio estabilizado optou por seguir buscando o negócio do futuro de forma eficiente. A operação O Boticário passou a ser complementada por outros negócios como Eudora e Skingen entre outros. Apostou em novas soluções como social commerce ao mesmo tempo em que respondeu no campo do canal direto de venda então dominado por outros players.

Os resultados públicos (a empresa não tem capital aberto) indicam, ainda que inicialmente, uma abordagem consistente na busca de enfrentar os ciclos de obsolescência de forma antecipada e ativa. Poderá ganhar importantes vantagens competitivas. São essas organizações ambidestras que operam o hoje e criam o amanhã as líderes que pretendem vencer os ciclos de obsolescência. Até quando surgir a nova vantagem competitiva.

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