Muitas organizações falham em reconhecer que as abordagens e mentalidades necessárias para essas duas áreas são distintas, mas falham principalmente em entender que elas são complementares.
Por: Dagoberto Trento, sócio da Innoscience
Recentemente, desenvolvemos a estratégia de inovação para negócios adjacentes de uma das maiores e mais tradicionais empresas brasileiras. Durante o trabalho, tive a oportunidade de entrevistar o CEO para entender como a inovação estava sendo usada como alavanca estratégica nos negócios. Em uma de suas falas, ele foi categórico: “Meu problema com a inovação, é que ela está preocupada com o futuro, enquanto eu estou preocupado em garantir que possamos nos mater competitivos hoje”.
Aquele posicionamento objetivo e sincero indicava um desalinhamento estratégico que certamente estava prejudicando o desenvolvimento de iniciativas de inovação dentro da empresa. Estava clara a disfunção entre o que era prioridade para a alta liderança da empresa e as expectativas da área de inovação.
Dentre as várias possibilidades que essa situação nos apresentou, uma já havíamos encontrado em outras experiências: a necessidade de se estabelecer um nível de consciência maior e procedimentos específicos para gerir a inovação, mostrando que ela não compete com a operação. Pelo contrário, deve ser uma importante aliada.
Diferenças
No cenário corporativo, esclarecer as diferenças de fazer a gestão da inovação e da gestão da operação de uma grande empresa, é crucial para o sucesso sustentável dos negócios. Muitas organizações falham em reconhecer que as abordagens e mentalidades necessárias para essas duas áreas são distintas, mas falham principalmente em entender que elas são complementares.
Gerir a operação é atuar para garantir a competitividade do negócio no momento presente, é remover obstáculos com urgência, é buscar capturar rapidamente o resultado das ações. É uma atuação focada na eficiência e na resolução imediata de problemas, assegurando que a empresa possa manter sua posição no mercado e responder de forma ágil às demandas atuais.
Gerir a inovação é atuar para buscar a perpetuidade do negócio no longo prazo, é entender que diversas pequenas apostas são necessárias, é saber reconhecer que parte dos investimentos terão uma curva de escala mais lenta até ofertar resultados, mas ao mesmo tempo terão ciclos de retorno mais longos, é utilizar todo o ativo construído pela empresa durante sua trajetória para experimentar no presente os futuros possíveis e sair na frente.
Diferentes, mas complementares
Para que seja possível atuar em um modelo de complementaridade, é fundamental que a gestão da inovação em empresas estabelecidas seja um processo muito bem estruturado. Assim como operações complexas de grandes empresas requerem procedimentos rigorosos e sistêmicos, como ISO e NBRs, a inovação também requer um conjunto coerente de políticas, processos, indicadores e comportamentos que se reforçam mutuamente, de maneira específica e exclusiva, visando atingir os objetivos estratégicos da organização.
Diferentemente de uma falha na operação, que pode comprometer os negócios, a imagem e até a capacidade de investir (em inovação, inclusive), o ato de “falhar” ao inovar em ambiente controlado e com formato experiencial pode ser considerado um processo de aprendizado para aperfeiçoamento do negócio atual e/ou criação de um novo negócio. Esta é uma diferença profunda que deve ser observada, compreendida e praticada pela liderança de grandes empresas. Simples, mas não fácil.
Segundo Tushman and Charles A. O’Reilly, em artigo publicado na Harvard Business School (Organizational Ambidexterity in Action: HOW MANAGERS EXPLORE AND EXPLOIT), empresas que conseguem equilibrar e gerir de forma integrada inovação e operação possuem 70% de chance de serem líderes de mercado e possuem crescimento anual até 20% maior das empresas que não praticam essa integração.
E é por isso que, em empresas estabelecidas, recomenda-se que a gestão da inovação tenha direcionamentos de cima para baixo, com a preparação adequada da alta liderança para fazer isso de maneira sincronizada. A ambição da alta liderança com a inovação deve ser a de torná-la uma competência organizacional, algo permanente, não a agenda de uma área, nem a realização de iniciativas episódicas, e muito menos deixar que se torne a pauta de um pequeno grupo. Em certas circunstâncias, esses movimentos até podem ser importantes para alimentar a cultura e dar o start, mas devem ser passageiros, pois não sustentam um modelo permanente e de longo prazo.
Liderança, Cadência e Consistência
A Neurociência nos sugere que, em momentos de perigo e adversidade, o ser humano tende a voltar ao seu estado natural ou primitivo, reagindo para sobreviver, mais que progredir. Nas empresas, também agimos assim. É natural que, em momentos adversos, em que a operação possa estar comprometida ou ameaçada, a empresa se retraia e fique mais contida no seu processo inovativo.
Nessas situações, é preciso literalmente liderar. Buscar aplicar abordagens que permitam garantir a estabilidade da operação, sem deixar de acreditar e de manter cadência e consistência nas iniciativas de inovação. Cadência, para garantir que possamos avançar na jornada de inovação e assim garantir a perenidade dos negócios. E consistência, para lembrar sempre por que a empresa está inovando.
A liderança sênior desempenha um papel crucial na criação e gestão de processos que suportam esse modelo de complementariedade. A capacidade de resolver contradições estratégicas é vital para o sucesso de uma organização. A integração de inovação e operação não apenas promove a eficiência e a resiliência, mas também fomenta um ambiente onde a inovação é continuamente incentivada e sustentada. Este equilíbrio, facilitado pela liderança, pode transformar desafios em oportunidades de crescimento e evolução, assegurando que a empresa não apenas sobreviva, mas prospere em um ambiente competitivo e dinâmico.
Boas práticas para gerir a inovação
Alex Osterwalder, reconhecido consultor de inovação corporativa e que tem entre seus feitos a criação da belíssima ferramenta Business Model Canvas, sugere que tenhamos diferentes abordagens para gestão da inovação, através de um adequado balanceamento do portfólio, dividindo os esforços da organização em extrair o máximo possível os ganhos no negócio existente (Exploit) e ao mesmo tempo desbravar novas oportunidades que possam nos trazer novas vantagens competitivas (Explore).
Fonte: incrementado e adaptado pela Innoscience
- Para inovações em negócios conhecidos, com clientes e mercados já estabelecidos e em regiões geográficas dominadas (Exploit), a liderança deve esperar (e cobrar por) resultados mais rápidos do portfólio, pois são inovações que trazem alta-previsibilidade de retorno. Porém, investimentos em inovações dessa natureza, tendem a oferecer ganhos e vantagens por um período mais curto.
- Para inovações que buscam novos negócios, atuando com públicos e mercados desconhecidos, em regiões geográficas não penetradas, a liderança deve incentivar diversas pequenas apostas, testar cenários, estar mais próxima do processo inovativo, apoiar esse processo e ter mais paciência na busca por resultados, pois são negócios de baixa previsibilidade. Essas inovações por sua vez, quando vencedoras, oferecem ganhos à empresa por um período mais longo, um sinal de que a empresa “saiu na frente”.
Compreender as diferenças de comportamento e atitude que a liderança precisa ter para gerir a inovação e a operação é fundamental para a longevidade das empresas. Cabe à liderança promover um movimento que torne a inovação uma prática contínua, alinhada às necessidades presentes e aos objetivos futuros da empresa.
Embora os gestores mudem ao longo do tempo, as competências organizacionais bem implementadas permanecem. É essencial que a cultura de inovação seja enraizada na organização, garantindo que a empresa esteja sempre preparada para se adaptar e prosperar em um ambiente em constante mudança. Desta forma, a inovação deixa de ser um evento isolado e passa a ser parte integrante da identidade corporativa. E a operação? Terá uma importante aliada.