por Dagoberto Trento, sócio da Innoscience
O crescimento da busca de inovação em grandes empresas têm os seus paradoxos. O Max, meu sócio na Innoscience, costuma contar que toda vez que alguém o procura para lhe contar que virou “Head de inovação” ele compartilha duas mensagens: “parabéns e cuidado”. Parabéns, pois poucas coisas hoje em dia podem ser tão empolgantes na carreira quanto assumir o cargo de Head de Inovação em uma grande empresa, que tem recursos únicos e a possibilidade de gerar incrível impacto. Cuidado, pois se o mandato da Inovação não estiver claro e alinhado, assim como os objetivos que precisam ser alcançados e os KPIs pelos quais o trabalho será avaliado, existe uma grande chance de, em pouco tempo, tanto o profissional quanto a própria Inovação na empresa deixarem de existir.
A inovação corporativa é uma jornada complexa e desafiadora, que vai além de ideia, da novidade e da criatividade (invenção). Exige atenção, dedicação e, acima de tudo, “execução disciplinada”. Muitas empresas estabelecidas estão em processo de amadurecimento, buscando aprimorar a maneira como instituem autoridade, estabelecem alçadas e empoderam times para que a inovação seja devidamente executada e assim possam capturar resultados tangíveis.
Pesquisa global realizada Mckinsey mostra que 84% dos líderes entrevistados dizem ter a inovação como uma prioridade na estratégia da empresa, mas 94% deles dizem estar insatisfeitos com a capacidade da empresa desenvolver a inovação
Na Innoscience acreditamos que o mecanismo causal desse baixo desempenho se dá principalmente por três fatores que precisam ser observados de maneira integrada:
- Desalinhamento entre a estratégia de negócios e estratégia de inovação
O alinhamento entre a estratégia de negócios e a estratégia de inovação é essencial para impulsionar o desempenho e os resultados da inovação.
É fundamental que a estratégia de inovação esteja diretamente conectada aos objetivos e direcionamentos da empresa no âmbito dos negócios. Como destacado pelo Vice-Presidente de uma das principais empresas do Brasil durante uma entrevista que realizei para desenvolver a estratégia de inovação da sua organização: “Estou focado em inovar para aprimorar as bases do nosso negócio, mas nossa equipe de Inovação só está pensando em drones que possam nos auxiliar no futuro. Não estamos na fase dos drones, estamos no momento de concentrar esforços para aprimorar o que fazemos atualmente”.
É importante acompanhar o contexto empresarial e as prioridades estabelecidas pela alta liderança para garantir que a estratégia de inovação permaneça alinhada com o momento e as necessidades da empresa.
- Incompatibilidade entre Estratégia de Inovação e Modelo de Inovação
A inovação deve desempenhar um papel fundamental como suporte à execução da estratégia de negócios e também como um mecanismo de retroalimentação dessa mesma estratégia.
Para atingir esse objetivo, é necessário implementar os veículos adequados que sejam capazes de atender às necessidades específicas da organização em determinado momento. Atualmente, as empresas estabelecidas desenvolvem mais de 15 tipos diferentes de veículos para executar suas estratégias de inovação.
Esses veículos variam desde programas de ideias que visam capturar sugestões relevantes para o cotidiano da empresa, até programas Corporate Venture Capital. Alguns desses veículos exigem menores investimentos e possuem modelos de execução mais internos, enquanto que outros requerem um nível mais elevado de investimento e maturidade, adotando modelos de execução mais abertos com a participação de parceiros externos.
Independentemente do modelo adotado, o mais importante é utilizar aquele que faça sentido para a empresa, considerando suas necessidades e objetivos estratégicos.
O modelo desenvolvido pela Board of Innovation e adaptado em nossos projetos de consultoria pode ser um bom ponto de partida. No entanto, é importante lembrar que o modelo é um meio para cumprir a estratégia de inovação e não um fim em si mesmo.
- Desencaixe entre modelo de inovação e requisitos culturais e recursos
Se a sua empresa possui uma estratégia de inovação que está alinhada ao negócio e a modelagem para execução está bem definida, você está no caminho certo. No entanto, é crucial também prestar atenção à última peça do quebra-cabeça: garantir que a cultura organizacional esteja adaptada e que os recursos sejam adequados para a execução dos veículos de inovação estabelecidos.
Em um projeto de estratégia de inovação em que tivemos a oportunidade de assessorar, a empresa tinha a intenção de criar um banco próprio utilizando um veículo de Venture Builder para testar essa hipótese. No entanto, os recursos financeiros para a execução desse veículo eram significativamente limitados e a equipe era composta por apenas dois analistas alocados part-time cedidos de uma área interna. Nenhum deles tinha experiência prévia com Venture Builder, nem tinha atuado diretamente em um projeto de relevância colo a montagem de uma instituição financeira.
Nesse cenário, as chances de a hipótese ser testada e apresentar resultados inadequados eram extremamente altas. O chamado “falso negativo”. Se isso acontecesse, tanto o Venture Builder quanto a inovação seriam desacreditados e se tornariam obstáculos para o desejo de ter um banco próprio.
Portanto, é fundamental avaliar cuidadosamente os recursos disponíveis e a capacidade da equipe em executar os veículos de inovação propostos. Isso garante que as hipóteses sejam testadas de maneira sólida e que a inovação seja percebida como um aliado na busca pelos objetivos estratégicos, evitando possíveis descréditos e frustrações futuras.
Inovar é transformar ideias em resultados.
A primeira pergunta que uma estrutura de inovação deve responder é: como a inovação cria valor para nossos clientes e para os clientes em potencial? Somente atuando para fortalecer relação com clientes atuais, atrair novos clientes, gerar economia, novos modelos de negócio ou impacto social positivo a inovação estará criando valor.
Dentro do ambiente corporativo, a falta de agregação de valor é impacientemente rejeitada, e a inovação não é exceção. Em um momento em que os avanços tecnológicos impulsionam a busca constante pela eficiência, dispor de uma estrutura que proporciona baixa agregação de valor aos negócios é como colocar uma corda no próprio pescoço.
Ao mesmo tempo, observando o ambiente externo, o mercado têm sido implacável ao exigir que empresas estabelecidas se reinventem em busca de novas vantagens competitivas. A pressão vêm de todos os lados: ambiente regulatório em constante transformação, insegurança jurídica, consumidores cada vez mais exigentes, desintermediação dos setores e a acessibilidade tecnológica são frequentemente vistos como desafios para os negócios. No entanto, esses fatores também trazem oportunidades para aqueles que estão preparados e organizados para inovar, permitindo que assumam um papel de protagonismo no mercado.
A pergunta-chave que surge é: como garantir a disciplina necessária para executar uma estratégia de inovação de forma a alcançar os resultados almejados?
Um case de inovação disciplinada
O Grupo Águas do Brasil (GAB), um dos principais grupos privados de saneamento do país, é um exemplo notável de implementação eficaz de uma estratégia de inovação.
A empresa envolveu ativamente a Diretoria Executiva e o Conselho de Administração na construção da estratégia, estabeleceu uma estrutura e governança sólidas para sua execução e vem desenvolvendo veículos de inovação de forma disciplinada. A estrutura inclui um time de inovação com papéis claros e bem definidos, integrado ao negócio, enquanto a governança é apoiada por um comitê de inovação ativo com reuniões quinzenais e uma rede de inovação que impulsiona a execução das iniciativas. Além de adotar diferentes veículos que interagem com todos os públicos, como open innovation e intraempreendedorismo, o GAB investe na capacitação de seus profissionais e promove uma cultura inovadora em toda a organização, desde a alta liderança, que desenvolveu um programa de gestão e inovação em parceria com a Dom Cabral, até as equipes táticas e operacionais, que participam de programas focados em agilidade e inovação. Essa abordagem abrangente acelera a transformação do GAB, impulsionando sua posição de destaque no setor.
O sucesso dessa abordagem resultou da combinação de fatores como direcionamentos estratégicos alinhados ao negócio, comprometimento da liderança, preparação da equipe, sensibilização cultural e escolha adequada dos veículos de inovação.
Esse modelo de “inovação sistêmica”, inserindo a inovação no seio central do negócio da organização e integrando diferentes processos e estruturas para que a engrenagem funcione, ressalta um ponto crucial que, em muitos casos, é o fator principal de sucesso da inovação em empresas estabelecidas: ela deve ser parte de um todo e desempenhar o papel de garantir a perenidade e a sustentabilidade do negócio no longo prazo. Ela não é um fim em si mesma. Sem ela, o negócio perece. Com ela, o negócio cresce. Desde que bem executada.
Assumir a liderança de inovação em empresas estabelecidas pode ser uma incrível jornada de aprendizado e espaço para gerar impacto positivo. Desde que a estratégia direcione a inovação, com o modelo adequado e os recursos mínimos necessários. Ou, pode ser uma jornada bem curta.